segunda-feira, 12 de agosto de 2013

FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS. PARTE 2: EFICÁCIA EXTERNA E JURISPRUDÊNCIA DO STJ

Oi gente! Como estão?

Neste post, continuamos nosso texto sobre função social, falando de sua eficácia externa, a qual se refere diretamente a outro princípio contratual, o clássico princípio da relatividade.

Na verdade, a eficácia externa da função social funciona aqui como elemento de mitigação da relatividade dos efeitos contratuais, para estendê-los de forma negativa ou positiva a terceiros que não participaram da relação contratual, mas que aos seus efeitos possam estar sujeitos.

Isto porque, sobretudo com o princípio da socialidade, como visto, a relação contratual passou a ser vista como mais do que relação individual, para que seus efeitos pudessem ser considerados nas esferas econômicas, sociais e ambientais, passando o contrato a ser visto mesmo como fato social.

De acordo com Cláudio Luiz Bueno de Godoy, a nova teoria contratual impõe uma expansão da eficácia de qualquer entabulação. Defende o autor que hoje a atenuação ao princípio da relatividade vai mais longe e consubstancia um alargamento do fenômeno da oponibilidade do contrato. Trata-se, portanto, de ultrapassar figuras clássicas de quebra ao princípio da relatividade dos contratos, já existentes na rígida sistemática contratual, como a estipulação em favor de terceiros[1].


Nesse contexto, vale inserir ensinamento do referido mestre, ao citar Jacques Ghestin, de que se trata de ir além e de se perceber que, de uma maneira geral, o contrato pode ser oposto aos terceiros pelas partes e que reciprocamente, os terceiros podem opor seus interesses às partes contratantes, já que o contrato passa a ser visto como um fato social[2].

Dessa forma, sustenta-se que a oponibilidade do ajuste pode ser vista sob duas diferentes perspectivas.

A primeira encara a oponibilidade como verdadeiro complemento da obrigatoriedade dos contratos, quando se trata das partes poderem opor o contrato a terceiros, inserindo-se nesse âmbito a chamada tutela externa do crédito, a qual podemos exemplificar com o que ficou conhecido como famoso “caso Zeca Pagodinho” (Sobre o caso, conferir o artigo da professora Judith Martins Costa em http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI4218,101048-Zeca+Pagodinho+a+razao+cinica+e+o+novo+Codigo+Civil+Brasileiro).

A segunda trata dos casos inversos, quando o terceiro opõe o contrato às partes, ajustando-se mais no campo da responsabilidade[3].

Vamos detalhar um pouco mais essa perspectiva, citando as situações em que as seguradoras passaram a ser demandadas por vítimas de acidentes juntamente com o provocador, contratante beneficiário de seguro de responsabilidade civil facultativo.

Assim, tem se mostrado pacífico na jurisprudência do STJ o entendimento pela legitimidade passiva ad causam das seguradoras para responder à ação de indenização por danos materiais juntamente com o segurado.
Nesse sentido, é o REsp nº444716/BA, cuja ementa segue abaixo:

Processual civil. Recurso Especial. Prequestionamento. Acidente de trânsito. Culpa do segurado. Ação indenizatória. Terceiro prejudicado. Seguradora. Legitimidade passiva ad causam. Ônus da sucumbência. Sucumbência recíproca. - Carece de prequestionamento o Recurso Especial acerca de tema não debatido no acórdão recorrido. - A ação indenizatória de danos materiais, advindos do atropelamento e morte causados por segurado, pode ser ajuizada diretamente contra a seguradora, que tem responsabilidade por força da apólice securitária e não por ter agido com culpa no acidente. - Os ônus da sucumbência devem ser proporcionalmente distribuídos entre as partes, no caso de sucumbência recíproca. Recurso provido na parte em que conhecido. (STJ - REsp: 444716 BA 2002/0077982-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 10/05/2004, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 31.05.2004 p. 300) 

A relatora do caso, a Ministra Nancy Andrighi, fundamentou sua decisão nos princípios da solidariedade e da função social do contrato, divergindo da fundamentação outrora dada pela Corte a casos semelhantes[4]. Nesse sentido, destaca-se:

De fato, a interpretação do contrato de seguro dentro desta perspectiva social autoriza e recomenda que a indenização prevista para reparar os danos causados pelo segurado a terceiro, seja por este diretamente reclamada da seguradora. Assim, sem se afrontar a liberdade contratual das partes – as quais quiseram estipular uma cobertura para a hipótese de danos a terceiros - maximiza-se a eficácia social do contrato com a simplificação dos meios jurídicos pelos quais o prejudicado pode haver a reparação que lhe é devida. Cumprem-se o princípio constitucional da solidariedade e garante-se a função social do contrato.[5]

Vale ainda citar a lição de Aguiar Dias, acolhida no acordão, para defender o acionamento direto da seguradora:

Em última análise, o que se faz, com a ação direta, é dar pleno cumprimento à vontade das partes. Na verdade, que quis o segurado? Livrar-se de todos os ônus e incômodos decorrentes de sua responsabilidade civil. Quanto ao segurador, o objeto de sua estipulação é satisfazer essas obrigações. Ora, que faz a ação direta? Proporciona a exoneração objetivada pelo segurado e não prejudica o segurador, porque mais não se lhe exige senão o que pagaria, realmente, ao segurado.

Assim, tem-se que pela sistemática clássica do código, a vítima, como pessoa alheia ao contrato de seguro, não poderia exigir a prestação principal, devendo acionar apenas o segurado para que este então, fazendo uso do instituto da denunciação à lide (art.70 e seguintes do CPC) trouxesse a seguradora para o polo passivo da ação.

Entretanto, diante da função social dos contratos, passa-se a considerar que havendo, por alguma forma, uma ligação entre a vítima e um dos contratantes e a prestação principal, aquela estará abrangida pela “eficácia protetiva do contrato.”[6], podendo a seguradora ser condenada direta e solidariamente com o segurado nos limites da apólice contratada.

Vale notar ainda que os precedentes mais recentes do STJ continuam se firmando no sentido de aceitar o litisconsórcio passivo inicial entre segurado e seguradora para condená-los de forma solidária nos limites dos valores segurados contratados. É o que se vê do REsp 710463/RJ, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado: 09/04/2013; REsp 1.076.138/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomao ,Quarta Turma, julgado em 22/5/2012; AgRg no REsp 474.921/RJ, Rel. Ministro Paulo De Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 5/10/2010.

Nesse caminho é que se percebe também que a jurisprudência do STJ, por outro lado, é ainda relutante em aceitar a possibilidade de se demandar apenas a seguradora, prescindindo-se totalmente da figura do segurado. Isto porque somente ele, por estar envolvido no acidente, é capaz de dar sua versão dos fatos, dimensionar sua defesa para rebater a culpa e o nexo de causalidade entre o fato e os danos eventualmente alegados pela vítima.Em consonância com tal entendimento, cita-se o seguinte acordão:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. AÇAO DE REPARAÇAO DE DANOS AJUIZADA DIRETA E EXCLUSIVAMENTE EM FACE DA SEGURADORA DO SUPOSTO CAUSADOR. DESCABIMENTO COMO REGRA.1. Para fins do art. 543-C do CPC:1.1. Descabe ação do terceiro prejudicado ajuizada direta e exclusivamente em face da Seguradora do apontado causador do dano.1.2. No seguro de responsabilidade civil facultativo a obrigação da Seguradora de ressarcir danos sofridos por terceiros pressupõe a responsabilidade civil do segurado, a qual, de regra, não poderá ser reconhecida em demanda na qual este não interveio, sob pena de vulneração do devido processo legal e da ampla defesa.2. Recurso especial não provido.(REsp 962.230/RS, Segunda Seção Rel. Min. Luis Felipe Salomao , DJe de 20/4/2012)

BONS ESTUDOS!!!




[1] GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social do Contrato.  São Paulo: Ed. Saraiva, 2004. p. 141-142
[2] GHESTIN, Jacques apud GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social do Contrato.  São Paulo: Ed. Saraiva, 2004. p. 142
[3] Ibid., p. 143
[4] Nos precedentes da Corte citados pela relatora o fundamento para justificar a legitimidade da seguradora era a tese de estipulação em favor de terceiros. Ver os julgados REsp de n,º 294.057⁄DF e REsp de n.º 228840/RS.
[5] BRASIL. Recurso Especial 444716-BA. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: ago. 2013.
[6] GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social do Contrato. São Paulo: Ed. Saraiva, 2004,  p.147

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