Oi gente! Como estão?
Neste post, continuamos nosso texto
sobre função social, falando de sua eficácia externa, a qual se refere
diretamente a outro princípio contratual, o clássico princípio da relatividade.
Na verdade, a eficácia externa da função social funciona
aqui como elemento de mitigação da relatividade dos efeitos contratuais, para
estendê-los de forma negativa ou positiva a terceiros que não participaram da
relação contratual, mas que aos seus efeitos possam estar sujeitos.
Isto porque, sobretudo com o princípio
da socialidade, como visto, a relação contratual passou a ser vista como mais
do que relação individual, para que seus efeitos pudessem ser considerados nas
esferas econômicas, sociais e ambientais, passando o contrato a ser visto mesmo
como fato social.
De acordo com Cláudio Luiz Bueno de
Godoy, a nova teoria contratual impõe uma expansão da eficácia de qualquer
entabulação. Defende o autor que hoje a atenuação ao princípio da relatividade
vai mais longe e consubstancia um alargamento do fenômeno da oponibilidade do
contrato. Trata-se, portanto, de ultrapassar figuras clássicas de quebra ao
princípio da relatividade dos contratos, já existentes na rígida sistemática
contratual, como a estipulação em favor de terceiros[1].
Nesse contexto, vale inserir
ensinamento do referido mestre, ao citar Jacques Ghestin, de que se trata de ir
além e de se perceber que, de uma maneira geral, o contrato pode ser oposto aos terceiros pelas partes e que
reciprocamente, os terceiros podem opor seus interesses às partes contratantes,
já que o contrato passa a ser visto como um fato social[2].
Dessa forma, sustenta-se que a oponibilidade
do ajuste pode ser vista sob duas diferentes perspectivas.
A primeira encara a oponibilidade como
verdadeiro complemento da obrigatoriedade dos contratos, quando se trata das partes poderem opor o contrato
a terceiros, inserindo-se nesse âmbito a chamada tutela externa do crédito, a
qual podemos exemplificar com o que ficou conhecido como famoso “caso Zeca
Pagodinho” (Sobre o caso, conferir o artigo da professora Judith Martins
Costa em http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI4218,101048-Zeca+Pagodinho+a+razao+cinica+e+o+novo+Codigo+Civil+Brasileiro).
A segunda trata dos casos inversos,
quando o terceiro opõe o contrato às
partes, ajustando-se mais no campo da responsabilidade[3].
Vamos detalhar um pouco mais essa
perspectiva, citando as situações em que as seguradoras passaram a ser demandadas
por vítimas de acidentes juntamente com o provocador, contratante beneficiário
de seguro de responsabilidade civil facultativo.
Assim, tem se mostrado pacífico na
jurisprudência do STJ o entendimento pela legitimidade passiva ad causam das seguradoras para
responder à ação de indenização por danos materiais juntamente com o segurado.
Nesse sentido, é o REsp nº444716/BA,
cuja ementa segue abaixo:
Processual civil. Recurso Especial. Prequestionamento.
Acidente de trânsito. Culpa do segurado. Ação indenizatória. Terceiro
prejudicado. Seguradora. Legitimidade passiva ad causam. Ônus da sucumbência.
Sucumbência recíproca. - Carece de prequestionamento o Recurso Especial acerca
de tema não debatido no acórdão recorrido. - A ação indenizatória de danos materiais, advindos do atropelamento e
morte causados por segurado, pode ser ajuizada diretamente contra a seguradora,
que tem responsabilidade por força da apólice securitária e não por ter agido
com culpa no acidente. - Os ônus da sucumbência devem ser
proporcionalmente distribuídos entre as partes, no caso de sucumbência
recíproca. Recurso provido na parte em que conhecido. (STJ - REsp: 444716 BA
2002/0077982-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento:
10/05/2004, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 31.05.2004 p. 300)
A relatora do caso, a Ministra Nancy
Andrighi, fundamentou sua decisão nos princípios da solidariedade e da
função social do contrato, divergindo da fundamentação outrora dada pela Corte
a casos semelhantes[4].
Nesse sentido, destaca-se:
De
fato, a interpretação do contrato de seguro dentro desta perspectiva social
autoriza e recomenda que a indenização prevista para reparar os danos
causados pelo segurado a terceiro, seja por este diretamente reclamada da
seguradora. Assim, sem se afrontar a
liberdade contratual das partes – as quais quiseram estipular uma cobertura
para a hipótese de danos a terceiros - maximiza-se a eficácia social do contrato
com a simplificação dos meios jurídicos pelos quais o prejudicado pode haver a
reparação que lhe é devida. Cumprem-se o princípio constitucional da
solidariedade e garante-se a função social do contrato.[5]
Vale ainda citar a lição de Aguiar Dias, acolhida no acordão, para
defender o acionamento direto da seguradora:
Em última análise, o que se faz, com a ação direta,
é dar pleno cumprimento à vontade
das partes. Na verdade, que quis
o segurado? Livrar-se de todos os ônus e incômodos decorrentes de sua responsabilidade
civil. Quanto ao segurador, o objeto
de sua estipulação é satisfazer essas obrigações. Ora, que faz a ação direta? Proporciona a
exoneração objetivada pelo segurado
e não prejudica o segurador, porque mais não se lhe exige senão o que pagaria, realmente,
ao segurado.
Assim, tem-se que pela sistemática clássica do código, a vítima,
como pessoa alheia ao contrato de seguro, não poderia exigir a prestação
principal, devendo acionar apenas o segurado para que este então, fazendo uso
do instituto da denunciação à lide (art.70 e seguintes do CPC) trouxesse a
seguradora para o polo passivo da ação.
Entretanto, diante da função social dos contratos, passa-se a considerar
que havendo, por alguma forma, uma ligação entre a vítima e um dos contratantes
e a prestação principal, aquela estará abrangida pela “eficácia protetiva do
contrato.”[6], podendo a seguradora ser
condenada direta e solidariamente com o segurado nos limites da apólice
contratada.
Vale notar ainda que os precedentes mais recentes do STJ continuam
se firmando no sentido de aceitar o litisconsórcio passivo inicial entre
segurado e seguradora para condená-los de forma solidária nos limites dos
valores segurados contratados. É o que se vê do REsp 710463/RJ, Rel. Ministro Raul
Araújo, Quarta Turma, julgado: 09/04/2013; REsp 1.076.138/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomao ,Quarta Turma, julgado em
22/5/2012; AgRg no REsp
474.921/RJ, Rel. Ministro Paulo De Tarso Sanseverino, Terceira Turma,
julgado em 5/10/2010.
Nesse caminho é que se percebe também que a jurisprudência do STJ,
por outro lado, é ainda relutante em aceitar a possibilidade de se demandar
apenas a seguradora, prescindindo-se totalmente da figura do segurado. Isto
porque somente ele, por estar envolvido no acidente, é capaz de dar sua versão
dos fatos, dimensionar sua defesa para rebater a culpa e o nexo de causalidade
entre o fato e os danos eventualmente alegados pela vítima.Em consonância com tal
entendimento, cita-se o seguinte acordão:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO
ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. AÇAO DE REPARAÇAO DE DANOS AJUIZADA DIRETA E EXCLUSIVAMENTE
EM FACE DA SEGURADORA DO SUPOSTO CAUSADOR. DESCABIMENTO COMO REGRA.1. Para
fins do art. 543-C do CPC:1.1. Descabe ação do terceiro
prejudicado ajuizada direta e exclusivamente em face da Seguradora do
apontado causador do dano.1.2. No seguro de responsabilidade civil
facultativo a obrigação da Seguradora de ressarcir danos
sofridos por terceiros pressupõe a responsabilidade civil do segurado, a qual, de regra, não poderá ser reconhecida
em demanda na qual este não interveio, sob pena de vulneração do devido
processo legal e da ampla defesa.2. Recurso especial não provido.(REsp 962.230/RS, Segunda Seção Rel.
Min. Luis Felipe Salomao ,
DJe de 20/4/2012)
BONS ESTUDOS!!!
[1] GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função
Social do Contrato. São Paulo: Ed.
Saraiva, 2004. p.
141-142
[2] GHESTIN, Jacques apud
GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social do Contrato. São
Paulo: Ed. Saraiva, 2004. p. 142
[3] Ibid., p. 143
[4] Nos precedentes da
Corte citados pela relatora o fundamento para justificar a legitimidade da
seguradora era a tese de estipulação em favor de terceiros. Ver os julgados REsp de n,º 294.057⁄DF
e REsp de n.º 228840/RS.
[5] BRASIL. Recurso
Especial 444716-BA. Superior Tribunal de
Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: ago. 2013.
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