quinta-feira, 14 de julho de 2011

O Monitoramento eletrônico de presos – PARTE 1


LEGISLAÇÃO E EXPERIÊNCIAS NO BRASIL

 O tema dessa semana abrange o monitoramento eletrônico em presos. Pesquiso acerca dessa temática há dois anos, inclusive, tive apoio financeiro da Fapesp para o desenvolvimento do trabalho, o qual apresentarei como Tese de Conclusão de Curso, no fim deste ano, sob orientação do Profº Dr. Antônio Alberto Machado. Considerando o exposto, vou dividir em duas partes esse debate, sendo que, nesta semana, o foco será a legislação e experiência desta medida no Brasil, com o intuito que haja uma divulgação do que anda acontecendo, atualmente, em nosso país.

O primeiro esboço de um sistema de prisão virtual surgiu nos Estados Unidos, nos anos sessenta, na Universidade de Havard, pelo psicólogo Robert Schwtizgebel e seu irmão Ralph Schwtizgebel, ambos membros do “Science Committee on Psychological Experimentation”. Construída com o intuito de elaborar um sistema de controle processual mais humanitário e econômico, a denominada “Dr. Schwtizgebel Machine” consistia em uma bateria e um transmissor que emitia um sinal a um receptor no intervalo de quatro milhas. O objetivo dos irmãos Schwtizgebel era, segundo Edmundo Oliveira, “elaborar mecanismos capazes de captar o conjunto de sinais físicos e neurológicos da presença humana em determinado lugar” (OLIVEIRA, 2007, p. 27). A “Schwtizgebel Machine” foi patenteada, todavia, não era vista por seus inventores como comercialmente viável - fato este que contribuiu para que as pesquisas fossem suspensas.

Apesar da contribuição dos pesquisadores de Havard, apenas na década de oitenta prosseguiram os estudos e conseguiram consolidar um sistema tal como se conhece hoje. O Juiz de Albuquerque - Novo México - Jack Love, ao assistir um episódio do desenho “Homem Aranha” - em que o herói foi perseguido por um vilão que o localizou por meio de um dispositivo colocado no corpo daquele - vislumbrou a possibilidade de colocar em prática tal sistema. Jack Love convenceu o perito eletrônico – Michel Goss – a aperfeiçoar o “Dr. Schwtizgebel Machine”. Em 1983, o juiz condenou o primeiro réu a cumprir a pena por monitoramento eletrônico.

Logo em seguida, a Flórida adotou, também, tal medida. Em 1988 eram, aproximadamente, 2.300 em 32 estados, sendo monitoradas eletronicamente (John Howard, 1988). Atualmente, quarenta e seis estados norte-americanos utilizam o monitoramento eletrônico.

Segundo Edmundo Oliveira (2007), baseando-se nas informações de Tonry (1995), a camada da população que, inicialmente, era alvo da medida em questão consistia, sobretudo, os menores delinqüentes, cuja a incidência de suicídio era maior. Embora tal grupo continue amparado, a maioria dos monitorados, atualmente, são os infratores de trânsito e os praticantes de delitos por conta das drogas. O monitorado eletronicamente custa em média, para os E.U.A., hoje, quinze dólares por dia, enquanto um preso custa em média quarenta e cinco dólares (OLIVEIRA, 2007, p. 29 e 30). 

Desde 2001, observam-se tentativas de inserir o monitoramento eletrônico no ordenamento jurídico brasileiro. Todavia, estas não obtiveram êxito em virtude dos altos custos. No ano de 2007, os Deputados Ciro Pedrosa, Manatto, Edio Lopes e o Senador Aloísio Mercadante acrescentaram várias propostas. Em 15 de junho de 2010, o Projeto de Lei nº 175, após sanção do Presidente da República, foi transformado na Lei 12.258/10.

A referida lei alterou artigos do Código Penal e da Lei de Execuções Penais, inserindo, assim, no âmbito federal, de modo definitivo, o monitoramento eletrônico no Brasil. Esse dispositivo legalizou as experiências que estavam ocorrendo em vários Estados brasileiros, o que, fundamentadas nos arts. 21, I e 24, I da Constituição Federal, seriam inconstitucionais.

Segundo Luiz Flávio Gomes, com a vigência da nova Lei haverá uma maior dificuldade de ocorrerem fugas, o que, provavelmente, reduzirá o índice destas. No entanto, esta medida não contribuirá para a superlotação dos presídios e, pelo contrário, aumentará os custos. A seguir, será feito uma breve síntese das normas estabelecidas pelo dispositivo em questão. Observam-se que vários dispositivos foram vetados pelo Presidente da República, a maioria por não atender os princípios da proporcionalidade, individualização e suficiência da execução penal.

O art. 1º, vetado, alterava o art. 36 do Código Penal, permitindo a vigilância nos casos em que o condenado deveria trabalhar, freqüentar curso ou outra atividade autorizada fora do estabelecimento, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga. Dessa maneira, continua em vigor a norma de que o preso em regime aberto não deve ser submetido a nenhum tipo de vigilância, em virtude do princípio da auto-responsabilidade do condenado. 

O art. 2º elenca as alterações da Lei de Execuções Penais. Inicia-se esse dispositivo com outra mudança vetada. Refere-se à conferência, para o Juiz de execução, da competência para determinar a utilização de aparelho de monitoramento eletrônico pelo condenado, quando julgar necessário. Neste contexto, permitir-se-ia que o réu condenado, mesmo estando preso, utilizasse o sistema de vigilância. O Presidente da República permitiu, também, que não entrassem em vigor as mudanças do art. 115 da LEP que teria a seguinte redação: “Art. 115. O juiz poderá estabelecer condições especiais para concessão do regime aberto, entre as quais a monitoração eletrônica do condenado, sem prejuízo das seguintes condições gerais e obrigatórias”. 

Foi incluído no art. 122, o parágrafo único, estabelecendo que a ausência de vigilância direta, como nos casos das saídas temporárias, não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução. 

O art. 124 também foi alterado, visando regular as saídas temporárias, que não podem ser concedidas para prazo superior a sete dias, podendo ser renovada por mais quatro vezes durante o ano. Ao se beneficiar das saídas temporárias, o réu submeterá, dentre outras peculiaridades, dependendo do seu caso e da sua situação pessoal, às seguintes condições impostas pelo juiz: fornecimento do endereço onde reside a família a ser visitada ou onde poderá ser encontrado durante o gozo do benefício (inciso I); recolhimento à residência visitada, no período noturno (inciso II); proibição de freqüentar bares, casas noturnas e estabelecimentos congêneres (inciso III). 

O parágrafo segundo dispõe que quando se tratar de freqüência a curso profissionalizante, de instrução de ensino médio ou superior, o tempo de saída será o necessário para o cumprimento das atividades discentes. Já nos demais casos, as autorizações de saída somente poderão ser concedidas com prazo mínimo de 45 (quarenta e cinco) dias de intervalo entre uma e outra (§ 3º). Segundo Ricardo Avelino Carneiro, o legislador deveria ter agido no § 3º com a mesma perspicácia com que agiu no parágrafo anterior, em virtude de ter lesionado o princípio da individualização da pena, uma vez que não observou as circunstâncias pessoais de cada caso.

A alínea “d” do art.132, § 2º, foi vetada pelo Presidente, visto que tentou inserir o monitoramento para os casos de liberdade condicional.

No capítulo 1, foi incluída a seção VI relativa ao monitoramento eletrônico. O art. 146 – A , também vetado pelo Presidente da República, almejava que o juiz pudesse determinar a vigilância indireta para a fiscalização das decisões judiciais, desde que houvesse disponibilidade de meios. O § 1º do referido artigo explica que vigilância indireta seria “realizada por meio da afixação ao corpo do apenado de dispositivo não ostensivo de monitoração eletrônica que, à distância, indique o horário e a localização do usuário, além de outras informações úteis à fiscalização judicial.” Luís Flávio Gomes entende que se trata de uma norma genérica e foi vetada em virtude, dentre outros motivos, do custo.

O monitoramento eletrônico, segundo o art. 146-B, foi sancionado nos casos em que for autorizada a saída temporária em regime semiaberto (inciso II) e determinada a prisão domiciliar (inciso IV). Desse modo, há apenas duas possibilidades em que são autorizadas o monitoramento eletrônico. As demais - regime aberto, fiscalização de decisões judiciais ou suspensão condicional da pena – foram vetadas.

Para que a medida cumpra sua função, caberá ao condenado (art. 146- C): receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir suas orientações (inciso I); abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça (inciso II). O inciso III, vetado pelo Presidente, estabelecia que o condenado devesse informar em caso de falha no equipamento, o que, de fato, poderia prejudicar o monitorado, caso este não percebesse algum problema no equipamento, podendo acarretar advertências injustas. 

No parágrafo único do art. 146 – C são enumeradas as conseqüências da violação dos deveres impostos: a regressão do regime; a revogação da autorização de saída temporária; a revogação da prisão domiciliar; e, advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida não aplicar alguma das medidas previstas nos incisos de I a VI deste parágrafo. O monitoramento eletrônico poderá ser revogado: quando se tornar desnecessário ou inadequado; e se o acusado ou condenado violar os deveres a que estiver sujeito durante a sua vigência ou cometer falta grave (art. 146 – D).

De acordo com os arts. 3º e 4º da Lei, respectivamente, o Poder Executivo regulamentará a implementação da vigilância eletrônica e a Lei entrou em vigor na data de sua publicação. Observa-se que a lei em questão possui uma proposta bastante limitada com relação aos objetivos almejados com a instituição da prisão virtual: a solução do sistema prisional. A proposta, no entanto, se adéqua se a finalidade pretendida for o controle penal. 

Luís Flávio Gomes entende que a Lei deveria ter aproveitado para abranger, também, as prisões cautelares, o que, de fato, teria contribuído para reduzir a população carcerária, imediatamente.

A primeira experiência brasileira de monitoramento eletrônico ocorreu no Estado da Paraíba, no município de Guarabira, em julho de 2007. Fruto do trabalho do juiz da 1º Vara da Comarca, Bruno Azevedo, e da empresa Insiel que desenvolveu as tornozeleiras no Brasil, cinco presos em regime fechado foram submetidos à experiência relatada em âmbito nacional. Os condenados, que trabalhavam durante o dia para a Prefeitura Municipal, não eram reconhecidos como presos, até que fossem divulgados pela mídia. No município, houve, também, um caso de uma mulher submetida à prisão domiciliar.

No Rio Grande do Sul, iniciou-se a utilização do monitoramento eletrônico no dia 21 de junho de 2010, experimentalmente, em quinze presos do regime aberto. Anteriormente, realizaram-se testes em dois voluntários (o deputado Giovani Chereni - autor do primeiro projeto apresentado à Assembléia Legislativa em 2007 e um funcionário da SUSEPE). Neste ente federativo, o monitoramento eletrônico está previsto na Lei 13.044, de autoria do Executivo, sancionada pela governadora Yeda Crusius, em 30 de setembro de 2008, e a tecnologia utilizada é o GMS, a mesma de telefones celulares. 

No Rio de Janeiro a inserção do monitoramento eletrônico teve por objetivo reduzir a criminalidade de presos no regime aberto e semiaberto, bem como a evasão. Houve a tramitação de dois Projetos de Lei – o 1.367/08, que foi retirado da pauta em 17 de abril de 2008; e o 1.017/07.

A experiência em Minas Gerais iniciou-se no município de Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte, em dezembro de 2007, onde detentos da Cadeia Municipal foram submetidos a tal sistema. O Governo, dando prosseguimento ao projeto, fez visitas em Israel e na Argentina, para verificar como é o funcionamento nessas localidades e fez testes com o sistema de GPS e com o sistema de RFID, em que o aparelho era menor. No entanto, a primeira tecnologia se mostra mais avançada que esta. A idéia do Governo é ampliar a utilização da vigilância para 2.500 que se encontram em condições favoráveis para o uso do equipamento.

No Estado de Pernambuco foi realizado um teste, pela Secretaria do Desenvolvimento Social e dos Direitos Humanos, em dez detentos em regime semiaberto, em agosto de 2008, sendo que seis meses depois havia triplicado o número de voluntários. Do resultado desses testes, constatou-se que o campo de cobertura não era amplo, visto que em algumas localidades – como o interior do prédio do governo – não possuía visibilidade. O Estado abriu processo licitatório para a compra de aparelhos.

Nos Estados de Goiás, Mato Grosso, Santa Catarina e Alagoas também foram realizados testes em que foram observadas vantagens na utilização do monitoramento eletrônico como, por exemplo, a melhor ressocialização e a diminuição de custos. No Distrito Federal, em que os índices que evidenciam a crise do sistema prisional são bem menores, também foram realizados testes, observando, como vantagem maior, a segurança da sociedade nas saídas temporárias.

No Estado de São Paulo, caracterizado por possuir 40% da população carcerária do país, a legalização do monitoramento eletrônico ocorreu por meio da Lei 12.906/08, segundo informações do Sr. Benedito Donizeti Marques, autorizado pelo Secretário da Secretaria de Administração Penitenciária, Lourival Gomes, a auxiliar, por meio do fornecimento de informações, esse trabalho. 

Assim, como nos demais entes federativos, em São Paulo também foram realizados testes em funcionários e presos para analisar a redação do edital, bem como as possíveis soluções. A SAP optou pela contratação de serviços,descartando a possibilidade de aquisição da tecnologia em virtude da viabilidade de atualizar constantemente os aparelhos bem como penalizar a empresa no caso de alguma infração. 

O edital de licitação foi publicado no dia 22 de julho de 2009, ficando sub judice durante muito tempo, por conta da exigência do certificado de homologação do equipamento de monitoramento do preso. Tal exigência visa verificar que a solução esteja de acordo com os padrões exigidos a todo equipamento de telecomunicação e, em especial, aos efeitos biológicos que a sujeição ininterrupta, mesmo a potência reduzida, pode acarretar ao usuário. Portanto, pretende garantir a segurança do preso.Tanto é cabível tal exigência, que o TCE - Tribunal de Contas do Estado recomendou dar continuidade à licitação com tais exigências. Em meados de 2010 saiu um licitante vitorioso e o sistema foi implantado, pela primeira vez, na saída temporária do Natal, neste mesmo ano. 

Na próxima semana, abordaremos uma questão, ao meu ver, mais interessante: a viabilidade bem como os aspectos positivos e negativos da inserção do monitoramento eletrônico em substituição ao tradicional modelo prisional e possível lesão à direitos fundamentais, consagrados após intensas lutas.

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